sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009




















GENTE

Quando a negritude da coisa se evidenciar
quando o nosso peito jaz calado
e forte angústia nos toma dentro
e dentro rompe emudecendo a boca
evitando os gestos
e lança-nos para o interior do fosso sem fim
a mente se deixa imaginar imprevistos de horror
o corpo se sente fraco e sem vontade de reagir
é a hora
mais hora do que nunca
de se sentir capaz
valente, potente
de coragem invulgar
do rastejar ás fortes pernas
do peito calado à forte voz
e romper a angustia coma audácia do saber
que isso tudo é, antes demais nada, ser gente
e gente, como diz o poeta Caetano,
foi feita para brilhar
e não para morrer de fome.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

















OS SÁBIOS EXISTEM:

NASSIM, O ARQUEIRO DO BEM


Há uma evidente tendência do ser humano de exagerar e mitificar, tornando coisas simples e comuns em complexas e extraordinárias. Da mesma forma, os mesmos humanos, normais e mortais, padecem do mal contrário: não sabem identificar claramente quando um sábio compartilha conosco o mesmo tempo e espaço.

Cada um de nós tem a pretensão de estar imune aos dois desvios acima e eu não sou diferente. No entanto, conheci e sei reconhecer um sábio, especialmente quando ele foi o sábio entre os sábios. O arqueiro do bem. Quando a sabedoria lhe foi congênita, tendo a exercido plenamente, deixando poucas dúvidas sobre sua extraordinária capacidade da bondade transcendente.

Deixou testemunhas e testemunhos de seus talentos, restando escritos que simplesmente relatam e comprovam, desnecessariamente, a sensibilidade incomum. As memórias serão aquelas que os sábios legam, despretensiosas, porém eternas, contadas de boca em boca, retratando heroísmos e odisséias, que tanto faz terem ou não ocorridos.

Nessa noite, que ficou entre o dia de ontem e o de hoje, faleceu um sábio: Nassim Alexandre Chaker. Um bruxo, no sentido melhor do termo. Conhecia e conversava com a natureza. E ela respondia e somente ele ouvia. Só quem o viu espremido entre as ondas violentas do mar e as pedras gigantescas das encostas, caçando mariscos, pode entender que ele era parte integrante do sistema. Não era “entre” no sentido de empresado, mas “entre” no sentido de iguais, sem separação, entre forças da natureza.

O tempo corria diferente para ele, em todos os sentidos. Quem dele se lembrar de camionete do pai enfrentando as madrugadas da Av. Rui Barbosa na década de 70, o reconhecerá o mesmo neste início de milênio, ainda que não sumam mais tantos carneiros nas vizinhanças. O tempo lhe corria externo. Da mesma forma, o tempo, abundante e próprio, permitia que ele dispensasse a pressa ao conversar longamente com os amigos ou recém conhecidos, com a mesma plenitude temporal.

Seus escritos, seu maior e último orgulho, falavam de coisas simples e triviais de uma maneira singular e excepcional. Passava sempre a impressão que ele estava além do que as palavras queriam expressar, talvez querendo exprimir isso mesmo, aquilo que ficava além das palavras, ainda que delas fizesse uso.

Não é claro para onde vão ou se existem as almas, todos com direito às suas crenças. Mesmo assim, se ele estiver hoje em outro lugar, lá terá coelho com tabule, preparados com muito esmero, num ranchinho que o além também deve permitir conter, um fogão de lenha improvisado, ainda que luxuoso, a ser compartilhado pelos amigos.

Sábios não aparecem todos os dias, muito menos morrem. Mas hoje se foi um sábio, talvez o mais lúcido de todos. Esperto, sem nunca ofender ninguém, ciente do rito de passagem, espalhando luz. Simples, demasiadamente simples, tanto quanto a complexidade de reconhecer o extraordinário. Hoje é um dia muito especial, alguém que deixou ensinamentos partiu. A nós, que os recebemos, resta reconhecer.

(Ronaldo Mota, primo de Nassim Alexandre Chaker)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


















CASA VAZIA



Que os morcegos invadam que a casa é sua
que a sombra errante do medo
adentre e tome conta
e a solidão se espalhe
querendo nos fazer companhia.

Ingrata se instale
finque fundo no coração o dia-a-dia do não-retorno
e o pulsar do coração a se fazer medidor
sonolento contar dos dias.

O ar onírico nos perturbe os olhos
e ao fechá-los nos popule de imagens a mente
da casa que era coberta de alegria
de gente que era gente
como a gente queria que fosse eternamente.

Mas a desgraça do tempo andou
e tudo mudou
já chove nas ruas e a água a tudo inunda
mas mesmo assim
lá fora está mais seco do que dentro
da casa nua e crua
que por dentro chora
lacrimeja os que partiram
e inunda de saudades o coração.

Casa vazia,
são pedaços de nós dois que se partiram.