sábado, 31 de janeiro de 2009




NOTAS VELHAS

Meu avô chegou ao Brasil em 1922, vindo do Líbano, analfabeto (em qualquer língua) e virou mascate, como tantos outros.

Deixou, quando faleceu, uma mala cheia de dinheiro, notas antigas numa mala esfarrapada pelo uso. O desconhecimento de seus descendentes fez com que, rindo, jogassem fora as notas e ironizassem a fortuna, a qual, de fato, o era. Fortuna mesmo, mas...explicar que notas quanto mais velhas mais valem além de suas faces é difícil!

Temperamento que inspirava cuidados, muitas mudanças de hábitos e costumes. Acho que o termo chato aplicava-se a ele sem reparos maiores. Tantos mares cruzados e tantas armadilhas, inclusive o bolso curto da calça, por economia, que fez com que perdesse o dinheiro que traria o resto da família que havia ficado para trás.

Mas vamos à maior riqueza que ele me deixou. Um dia me chamou e falou um ditado em árabe e traduziu no fraco português (o árabe devia ser igualmente horrível): “Para amigo qualquer um serve. Escolha bem seus inimigos e com eles aprenderá. Quanto mais éticos, mais te obrigarão a sê-lo, quanto mais competentes, mais desafiadores, quando mais espertos, mais te instigarão a inteligência, quanto mais generosos, eles te ensinarão a compaixão".

Meu avô virou nome de estrada, a rodovia que liga os Estados de São Paulo e Paraná, de Assis-SP a Londrina-Pr. Não sei se os caminhoneiros sabem onde andam. Nem sequer essas mensagens caberiam nas placas de advertências daquelas estradas.

Ele sabia podar figueiras e mangueiras, e bem. O tempo o fez esquecer o lado errado da poda na escada e podou-se junto, caindo e iniciando uma queda que lhe tiraria as forças que tanto teve para enfrentar um mundo novo.

Chegou ao Brasil baseado numa promessa falsa que o ouro era encontrado nas ruas. Curiosamente, ele encontrou o ouro simbólico e entendeu assim.

Morreu brasileiro, não sei se menos chato, mas, mesmo com toda dificuldade em falar o português, não se esqueceu de passar seus melhores ensinamentos. Espero que tenhamos aprendido. Espero poder tentar repetir para meus netos, que ainda não os tenho, mas já sou chato também.

Um comentário:

  1. Concordo com a parte de já seres chato... Sobre os netos, ainda vai evar um tempinho pra ganhares algum... Beijos

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