quinta-feira, 18 de dezembro de 2008


EDUCAÇÃO CONTRA O RACISMO

Ronaldo Mota



As discussões envolvendo educação superior e políticas afirmativas são complexas e as opiniões, mesmo que opostas, são, respeitáveis e compreensíveis. O que não impede que as mais arraigadas e definitivas posições, em geral, reflitam mais características de paixão, preconceito e, por vezes, ignorância do que, de fato, convicção assentada em conceitos e dados científicos e confiáveis.

Se não bastassem as variáveis que o tema envolve, é muito mais fácil comprovar a existência de racismo, enquanto comportamento social, a garantir base científica que assegure o conceito ou critério inequívoco de raça. Ou seja, embora não existam dúvidas sobre a existência de racismo, ainda restam indagações científicas relevantes sobre conceitos e critérios de raça.

Assim, mais do que raça propriamente, o que existem são grupos sociais, compostos por pessoas com histórias em comum, que ao se identificarem entre si por algumas semelhanças, por terem vivenciado experiências conjuntas, compartilhado valores, cultura, hábitos e costumes, podem, ou não, expressar tal identidade tanto na cor da pele como em fenótipos.

Creio que seja baseado em tais elementos, mais do que em árvores genealógicas por testes de DNA, que as pessoas, ao responderem aos entrevistadores do IBGE, se auto declaram brancas, pardas, negras, amarelas ou indígenas.

Há em curso no Brasil conjunto de políticas afirmativas variadas, cotas ou bônus, viés social ou racial. Todas com característica em comum: até onde pudemos identificar, elas apresentam, sem exceção, bons resultados. Algumas alternativas parecem gerar melhores e mais rápidos resultados, no que diz respeito a acesso e sucesso, outras mais lentas, mas nenhuma experiência claramente inócua ou negativa. Ou seja, estudantes ingressos via qualquer desses sistemas têm demonstrado rendimentos acadêmicos iguais ou melhores, quando comparados com seus próprios colegas de turma.

Além disso, por mais que se anuncie a ocorrência de incremento de racismo no ambiente educacional devido à implantação dessas políticas, tal fenômeno está longe de ser observado. Se ocorrem manifestações, elas têm sido pontuais e em níveis inferiores àqueles presentes em outras esferas da sociedade.

Acerca do sucesso dessas políticas afirmativas, é provável que a correlação estabelecida entre todas experiências talvez evidencie e reflita algo predominante nelas: o enorme exército de jovens intelectualmente talentosos e socialmente desfavorecidos, de variadas cores e origens, os quais temos sistematicamente desperdiçados na educação. São pessoas com competência, criatividade, vocação e vontade de estudar que nos acostumamos a, através de filtros predominantemente econômicos, excluir e que, tendo oportunidade, a ela se apegam e evidenciam seus talentos.

A proposta apresentada pelo Executivo Federal (Reforma Universitária), em discussão no Congresso Nacional, tem alguns méritos: estabelece metas com prazos, trabalha com o conceito de “sem prejuízo acadêmico” e permite, dentro de certos limites, que cada instituição, a partir de sua autonomia, monitore a aplicação de seus próprios modelos. Metas são estabelecidas, sem abrir mão de conceitos relevantes de políticas afirmativas e de respeito e estímulo à autonomia das universidades, desde que todas as instituições, ao longo de um tempo com horizonte definido, cumpram com objetivos bem delimitados.

Tendo a aceitar todas as posições com naturalidade, no entanto, confesso minha dificuldade em entender a insensibilidade em saber que no curso de medicina da Universidade Federal da Bahia, antes das cotas, praticamente não havia negros ou pardos e que na Universidade Federal do Ceará no curso de arquitetura eram, ou ainda são, raros os estudantes egressos de escolas públicas.

Tão pretensamente brancas eram nossas universidades, especialmente as públicas, que certa vez um dirigente, deixando escapar, talvez de orgulho, indagou-me: o senhor já reparou que quase não temos negros? Ao que respondi: que pena, dado que está mais do que comprovado que quanto maior a diversidade étnica melhor a qualidade de qualquer atividade humana, especialmente em educação e na produção de ciência, tecnologia e inovação. Além disso, provoquei: deve faltar alegria, arte e criatividade no espaço. Nem sei se o compreendo direito e muito menos se ele me compreendeu.

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