quinta-feira, 18 de dezembro de 2008








ÚLTIMOS ROMÂNTICOS

Ronaldo Mota


A pretensão do título é idêntica a achar que romântico é sempre bom. Nem sempre, embora os românticos sempre assim entendam. Portanto, é sim pretensão e é parte inexorável do romantismo.

O governo Lula, restando por findar-se poucos dias a mais que dois anos, sugere balanços, mesmo que parciais, e eles serão muito positivos. Até mesmo onde alguns acharam que não. Mexeu muito, inclusive nas pessoas que administram o país.

Defendo a concepção de uma burocracia estatal estável, permanente, competente e remunerada decentemente. Tudo isso é possível e passos importantes têm sido dados nessa direção, ainda que inconclusa a missão. Mas o tema que quero tratar é outro, ainda que correlato.

Nos sistemas democráticos é desejável que partidos ao terem sucesso eleitoral façam uso de seus quadros, os mais competentes, para auxiliar a formular e implementar as políticas que submeteram ao julgamento popular. É também intrínseco da democracia que os arranjos permitam acomodações de quadros que nem sempre primam pelo desejável domínio da especialidade, fragilizando, de alguma forma, a capacidade de implementação e formulação. É a democracia, com seus ônus e bônus.

Inegável que os últimos governos, Fernando Henrique e Lula, cada qual à sua maneira, ambos propiciaram que uma geração de profissionais menos habituados ao exercício da administração central enfrentassem o desafio. Cada período exigiu que formuladores, motivados por suas convicções políticas e ideológicas, dessem prioridade ao exercício de funções burocráticas, ainda que correlatas ao que faziam anteriormente, e tivessem oportunidades que lhes pareciam, no passado, menos próximas.

A nação tem presenciado os melhores formuladores, em cada distinto governo, sempre legitimados pelo referendo popular, realizar o exercício prático de suas idéias. Que mais pode querer de bom um país?

Com romantismo, mas sem prejuízo da apreensão correta da realidade, todos têm aprendido, acertaram e erraram, mas inquestionavelmente tem se formado um elenco de profissionais que, além de seu fazer específico, aprendeu a auxiliar a governar. Sem medo, sem inibição ou preconceitos com o poder, pelo contrário, se orgulhando de se sentirem governo.

No entanto, é também verdade a constante mudança das coisas (os budistas denominam “impermanência”). Assim, preocupa-me não o que ficou para trás. Indago-me mais sobre o que vem pela frente. Cada vez parece que encontramos menos pessoas com esse perfil. Encontro-as mais indo do que vindo. Há, infelizmente, uma relativa retração de um movimento positivo de atração de profissionais, aptos e desejosos da oportunidade da formulação à ação, enfrentando o desafio do exercício administrativo público. Parece haver, em sentido oposto, uma maior consolidação relativa em direção àqueles mais periféricos, menos pretensiosos, que compensam as deficiências na capacidade de formulação pela aptidão com que sobrevivem favorecidos pelo apreço ao poder e do poder.

Assim, preocupa-me podermos ter, gradativamente, um contexto de uma burocracia estatal, que ainda não se consolidou totalmente, acompanhada, cada vez mais, de transitórios com pouca capacidade de formulação e, definitivamente, sem nenhum romantismo.

Ronaldo Mota é professor titular em física da Universidade Federal de Santa Maria, pesquisador do CNPq, assessor especial do Ministro no Ministério de Ciência e Tecnologia, tendo sido secretário executivo do Conselho Nacional de Educação, secretário de Educação a Distância e secretário de Educação Superior no Ministério da Educação.

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